sábado, 14 de março de 2009

O PRAZER DA LEITURA

COMO SE ENSINA O PRAZER DA LEITURA

Não é preciso muito, nem alguma técnica especial: basta despender alguns minutos e ler em voz alta para os filhos. De preferên-cia, os velhos contos de fada. E aproveite pa-ra ter o mesmo prazer

Livrinhos coloridos e dúzias de CD-Roms educativos não fazem a criançada gostar de ler. Quase sempre é por aí que vão os pais quando percebem o baixo rendimento dos fi-lhos nas aulas de Português, sua dificuldade de compreender um texto, a inapetência para as letras e, portanto, a pobreza na comunica-ção com o mundo. Mas chapá-los ou diverti-los com sopinhas alfabéticas não resolve a parada.
Ter prazer na leitura é que funciona como vitamina, e o segredo para aplicá-la é: esco-lher um bom conto de fadas, empostar a voz e ler para eles. Parece pouco, mas é um acon-tecimento grandioso. Ouvir uma história con-tada ao vivo, pelos pais ou por alguém co-nhecido, é uma experiência que marca para sempre. Aí juntam-se elementos fundamen-tais no desenvolvimento. A presença e a de-dicação do adulto naquele instante, sua ento-nação e semblante, seu estado de espírito e o conteúdo da narrativa, tudo isso se junta e se mistura aos sentimentos e à imaginação das crianças. É um raro momento de integração profunda, que gera energia de crescimento. E o prazer desta hora se liga ao texto.
Assim se inscreve a leitura na memória das coisas boas, e assim se abrem as portas para uma criativa busca do conhecimento. Bastam dez minutos por dia, ou a cada dois dias, três ou só no fim de semana... Apenas um mo-mento reservado regularmente para um adul-to afetivo se sentar, abrir um bom livro e ler em voz alta. Para os pequenos, é um momen-to para ouvir, sentir e fantasiar, como quise-rem e puderem.
Por isso, não vale cobrar nada deles. Sem essa de “vamos ler, agora fique quietinho”. Crianças ouvem histórias cantarolando, an-dando, falando, mexendo e se mexendo, às vezes até vão para outros cômodos da casa sem pedir pausa na leitura. O que importa é a voz que conta o conto, que repete infinitas vezes um trecho a pedido do ouvinte, que responde às perguntas sem reclamar da “in-terrupção”.
Quando “atrapalham” a leitura dos grandes, os pequenos estão apenas se aproximando do texto. Não é este o objetivo? Então é indis-pensável deixar que toquem o livro, virem a página para ver a ilustração seguinte, sintam a textura do papel e a harmonia das letras... Esta é uma experiência que os adultos ofere-cem às crianças, de graça, sem exigir nada em troca, sem policiar nem chatear. Quem não tem disposição e paciência para isso, me-lhor fazer só cinco minutos, ou dois, para que não se torne uma experiência desagradável – e acabe produzindo o efeito contrário.
É necessário, aliás, que estes momentos não estorvem a rotina. A leitura não pode ocupar o tempo de brincar, da lição ou de comer. Já o tempo da TV e do videogame... Desligar tudo para contar histórias seria um grande presente. Trocar o estímulo unidirecional, com imagens chocantes que cavam espaços estáticos na memória, pela integração afetiva, que fortalece e desenvolve, é um negócio ir-recusável.
O conteúdo do texto é fundamental. O que potencializa esta grande usina criativa são narrativas com situações do imaginário da criança, cheio de antíteses: bom-mau, bem-mal, certo-errado, bonito-feio, grande-pequeno, alegre-triste... Ou seja, são os con-tos de fadas antigos, com personagens maus e cruéis, que valem como combustível na ebu-lição dos sentimentos. Não servem as versões moderninhas, açucaradas e politicamente cor-retas. Sentindo que a leitura alimenta e forti-fica o coração, a molecada pode então gostar dela.
Ensinar o prazer da leitura é também se a-presentar às crianças como alguém que gosta de ler, e que ganha com isso. Quem se sente bem com um livro nas mãos deve se exibir orgulhosamente aos pequenos. Aos menos habituados cabe um esforço, que não é tão grande assim. Quem não se apaixonou pela literatura na infância tem agora a chance de mergulhar na fantasia por alguns minutos, enquanto a filharada escuta, se encanta e co-meça a preparar sua própria história.

David Pontes (Jornal da Tarde, 24.10.99)

Um comentário:

Casa de Patinhos disse...

Olá amiga, passámos por aqui para desejar uma Páscoa muito feliz e umas férias muito divertidas. Beijinhos.